quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Entrevista no Dinossauros Cultura & Afins

ENTREVISTA: PEDRO DELGADO 09.02.2009
O ATOR, AUTOR E DIRETOR PEDRO DELGADO ABRE A SÉRIE DE ENTREVISTAS 2009 DO DINOSSAUROS CULTURAL E AFINS.
IMAGEM: DELGADO
ATOR, AUTOR E DIRETOR

DC&A - A partir de que momento você se descobriu um contador de histórias para crianças?

Pedro Delgado - Penso muito sobre o papel dos contadores de história, e acho que não me enquadro muito bem nesse universo. Acho que eu não saberia desempenhar esse papel, nem como escritor e nem tão pouco como ator com o respeito e merecimento que a profissão exige. As minhas histórias são todas pensadas e desenvolvidas para serem encenadas através da linguagem teatral. As ações ganham corpo somente a partir do desenvolvimento do jogo dramático e de uma estética física. Quanto ao início de minha carreira como dramaturgo: eu me lembro que tinha por volta de nove ou dez anos quando meus irmãos levantavam pela manhã para brincar e eu cobria a minha cabeça com o cobertor para poder inventar histórias onde eu vivia experiências absolutamente fantásticas. Meu coração às vezes disparava e outras silenciava num estado real das experiências vivenciadas. Acho que nessa época eu já estava gestando alguns de meus textos. Profissionalmente comecei a escrever no início dos anos 90.

DC&A - " A Roda da Imaginação" reúne textos de diferentes períodos. Há uma continuidade entre as três leituras?

Pedro Delgado - Quando inicio o processo de produção de um texto eu não fico muito preocupado com o que já fiz. Geralmente o que escrevo é o resultado de uma serie de “coisas” que vêm do mundo real e vão se organizando no meu mundo imaginário. Na maioria das vezes essas “coisas” têm ligação somente entre elas. Cada momento é diferente e por isso acho que cada peça minha fala de “coisas” diferentes. Penso que os três textos têm um encontro no que se referem as suas estruturações temporais e não uma continuação. Eu gosto de misturar um pouco de história, mitologia e contemporaneidade, mas nunca numa ordem cronológica ou seqüencial.

DC&A - Você escreve, atua, e dirige. Dentre essas funções qual delas o levou primeiro ao teatro?

Pedro Delgado - O inicio da minha carreira profissional no teatro foi em 1988 com o grupo Mutirão, onde atuavam grandes nomes do teatro gaúcho. Fiz um curso de interpretação teatral e logo fui convidado a ingressar no grupo. Lembro que fiquei tão feliz que nem acreditei. O convite veio numa festa de final de ano do próprio Mutirão. A minha primeira peça como ator foi no início de 1989, uma adaptação do clássico A Bela Adormecida dos Irmãos Grimm feita por Sergio Ilha. Foi a minha porta de entrada nos palcos atuando como ator. Os primeiros passos como diretor foram em 1991 e na dramaturgia me arrisquei somente em 1992 com uma adaptação da Branca de Neve. Até hoje posso dizer, sem medo de errar, que curto mais atuar e escrever a dirigir. A direção me provoca uma sensação de desconforto muito forte. Trabalhar com o material humano requer mais do que criatividade é preciso ser também, um administrador de egos e vaidades e isso me chateia muito.

DC&A - Como você avalia o momento atual do teatro gaúcho?

Pedro Delgado - Lembro-me que há alguns anos atrás abríamos os jornais e observávamos produções teatrais em cartaz sob a direção de Camilo de Lélis, Dilmar Messias, Maria Helena Lopes, entre outros, que hoje estão basicamente afastados dos palcos, o que é lamentável, pois todos eles faziam um trabalho de qualidade que contribuía para a diversidade artístico-cultural de nosso estado. Diante dessa realidade é possível dizer que estamos vivendo uma nova realidade no cenário teatral. Temos bons profissionais atuando, mas penso que por falta de políticas culturais os artistas estão produzindo menos, sem falar nos que partem para outros estados em busca de novas oportunidades. A grande maioria vai tentar trabalhar no eixo Rio São Paulo. O que também é lamentável, mas compreensivo devido a grande frustração por parte dos mesmos em relação às políticas culturais do governo atual aqui do RS! Precisamos de mais incentivo político para que possamos desenvolver trabalhos melhores pesquisados e de maior valor estético, pois só assim poderemos oferecer à sociedade, espetáculos com mais qualidade.

DC&A - Quem no teatro local influenciou e ainda influencia na composição do seu trabalho?

Pedro Delgado – Acho que se tem alguém que me influenciou foi o próprio Sergio Ilha, ainda que essa influência tenha se dado de forma indireta. Admiro a direção do Camilo, a interpretação de Nilza Ramos (hoje fora dos palcos), Alguns textos de Carlos Carvalho, mas nada que chegue a exercer influencia no meu trabalho. Procuro desenvolver a minha arte a partir de minhas próprias angustias e inquietações sobre a estética e o social. Penso que a minha graduação em história favorece bastante no meu processo criativo servindo de alicerce para outros teóricos mais específicos da área teatral. Quero deixar bem claro que não se trata de desgostar do trabalho de meus colegas, pelo contrário, acho que estamos todos nos aprimorando o tempo todo. Temos ótimos diretores, dramaturgos, atores... Mas, procuro buscar minhas inspirações em universos ainda pouco explorados.

DC&A - Eu entendo que escrever é de fato uma mágia quase, senão, totalmente inexplicável. Como funciona pra você? E, já chegou a pensar em dedicar-se exclusivamene a este segmento?

Pedro Delgado – Estive recentemente desenvolvendo uma investigação a respeito do processo criativo e concordo com Pichon Rivière quando ele diz que em geral o ato criativo nasce de um estado de angustia. Platão também já apontava para esse princípio criativo. Escrever é uma arte que ganha forma através da escrita e que não se manifesta, no meu entender, se não a partir de um estado de angustia. Portanto é difícil, realmente, explicar o universo de nossas inspirações. Penso, às vezes, que se escreve assim como se pinta uma tela, como se organiza os móveis de uma casa, etc. Para mim, o ato de escrever é uma forma de organizar vontades e contra-vontades, que vão sendo assimiladas e que vão me deixando angustiado. Chega um momento que parece que alguém desenha no meu imaginário o que seria, ou o que eu prefiro chamar, de momentos de vivencias de seres imaginários que começam a povoar os meus pensamentos. Então, eu preciso colocar eles para fora e organizar cada um de forma clara para que eles sosseguem e me deixem em paz. Quanto a deixar de atuar para continuar só escrevendo é algo que não consigo imaginar. Pretendo continuar escrevendo e representando. Dirigir, como já disse anteriormente, é algo que o seu processo me incomoda e por isso só faço quando não tenho alternativa, mas, se for necessário continuarei dirigindo pois resultado final é quase sempre muito gratificante.

DC&A - Quando da criação de uma história infanto-juvenil os caminhos que levam ao lugar comum de outras tantas possivelmente são muitos. Como você faz para não sucumbir a essas armadilhas?

Pedro – Bom, dizem que as idéias andam soltas por todos os lugares a procura de alguém que às capte. Procuro captá-las na sua essência e a partir daí desenvolver a minha dramaturgia. Tenho medo sim de me tornar repetitivo e cuido para que, sem querer, acabe plagiando o trabalho ou uma simples idéia de alguém. Procuro, em primeiro lugar, construir uma história a partir de situações que sejam pelo menos, aparentemente, novas. Penso que existe um universo enorme a ser descoberto, principalmente no que diz respeito ao comportamento universal humano que pode servir de fonte no processo criativo. Atualmente estou escrevendo um monólogo cuja inspiração vem do universo queer. Quero discutir esse assunto e, através de um personagem ligado a área da educação, apresentá-lo aos porto-alegrenses a partir de uma estética sóbria e bem elaborada.

DC&A - As comédias são uma constante em sua carreira. Escrevendo ou atuando você ainda fica inseguro com a possibilidade de determinada situação que deveria ser engraçada não funcionar? Caso aconteça, como reagem o ator e o autor?

Pedro Delgado – Sem dúvida! Eu procuro fazer apostas trabalhando com ferramentas tradicionais da comédia misturadas com novas propostas. Às vezes acerto outras vezes não. É um risco que preciso correr para saber se vai ou não dar certo. Gosto de trazer elementos de minha infância para rechear meus textos de humor. Têm coisas também que funcionam durante um tempo e depois deixam de ser interessantes para o público. Eu entendo que o humor não está em o que está sendo feito ou dito e sim na maneira como está sendo feito e dito. O publico, no meu entender, não ri da coisa em si, mas da maneira como essa coisa o surpreende. Quanto à reação do autor no caso de uma ação cômica não funcionar? Eu acho que o autor não tem muito o que fazer. Nesse caso acho que é o ator quem precisa encontrar uma outra maneira de desenvolver a ação, talvez deva rever a forma e o tempo em que está entregando a piada ao público. Já me vi em diversas situações que tive que recorrer ao improviso para tentar salvar uma piada e arrancar a gargalhada do público.

DC&A - Alguns dramaturgos brasileiros e do mundo...

Pedro Delgado – Gosto muito do enfoque social e da poética marginal dos textos de Plínio Marcos; Nelson Rodrigues também me faz ficar horas lendo suas peças e tentando entender a sociedade carioca e sua estética literária. Jorge Andrade, Ariano Suassuna, Caio Fernando Abreu e João Cabral de Melo Neto também merecem um lugar de destaque na dramaturgia brasileira e no meu gosto pessoal, ainda que esse último não tenha escrito especificamente para o teatro. Tennessee Williams, Oscar Wilde, Jean Genet, Georg Büchner, Anton Tchekhov, j. w. Goethe, Dario Fo, Virgílio, Plauto e William Shakespeare são os meus favoritos seguidos dos cômicos Aristófanes e Moliére.

DC&A - Porto Alegre por Pedro Delgado:

Pedro Delgado – Sou apaixonado por Porto Alegre! Há vinte e seis anos vim morar aqui e desde então me sinto um porto-alegrense. A cidade é romântica e seus habitantes são ótimos amantes da cultura local. O orgulho pela tradição e a busca pelo novo faz dessa cidade um bom lugar para se viver, estudar e com muito esforço, trabalhar. Não fosse pela falta de uma política local que possibilitasse o desenvolvimento de projetos que projetasse a arte gaúcha para o cenário nacional acho que jamais pensaria em sair daqui.